O barco e o mar

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O barco e o mar
12 de junio de 2018 zweiarts

«Em memória do P. Dr. Vítor Westhelle»

Por Valério Schaper

Vítor Westhelle, pastor e professor de teologia, faleceu no dia 13 de maio de 2018. Perdeu a vida para um câncer. Em uma meditação para o natal de 2017 teologizou também sobre essa doença.* Nesta reflexão, Vítor relacionava o tempo de expectativa do advento com a condição do paciente que espera pela cura. O consolo, afirmava, vinha da certeza de que Deus assumiu a fragilidade de nossa carne mortal, “encancerando-se” para nos curar/salvar.

Vítor, como incansável explorador das Escrituras e da teologia de Lutero, legou-nos inúmeras contribuições teológicas, contextualmente enraizadas em nossas realidades latino-americanas e caribenhas. Também contribuiu em um dos seminários do Instituto Sustentabilidade América Latia e Caribe (InS), relacionando sustentabilidade com a teologia de Lutero.**

Há também outras muitas produções do Prof. Vítor que certamente contribuirão para os temas do InS. Para citar um exemplo, no “site” que mantinha na internet para divulgar seus trabalhos, o Prof. Vítor fez constar na página de abertura a seguinte frase, retirada de «The Wisdom of the Sands«, do conhecido piloto e escritor Antoine de Saint-Exupery:

«If you want to build a boat,
you don’t go herd people together
to collect wood and then assign them tasks.
Rather, you teach them
to long for the endless immensity of the sea»***

Essa frase certamente apontava para a pedagogia adotada pelo Prof. Vítor em sua atividade docente. Nunca faltavam em suas contribuições indicações concretas, mas seus textos e suas falas caracterizavam-se por sempre lembrar aos que o liam ou ouviam da “imensidão infinita do mar”.

Deus vai sempre adiante de nós e não cabe em nossas construções teológicas, por melhores que sejam. Por isso, Vítor, como bem lembrou a Profa. Wanda Deifelt, sempre começava por algo conhecido, próximo (um poema, um trecho da literatura, um texto bíblico) e acabava levando as pessoas para viagens de descobertas inusitadas. De repente, as pessoas encontravam-se em mar aberto, olhando para os amplos horizontes.

Tomando a frase do site do Prof. Vítor com certa liberdade, podemos explorar também a possibilidade de que essa frase pode ser uma referência importante para as pessoas que assumem atividade de liderança. Certamente, as pessoas esperam que lideranças indiquem concretamente o que fazer. Isto é parte da tarefa de uma liderança. Entretanto, não é toda a tarefa. Lideranças precisam inspirar mais do que guiar pela mão. Boas lideranças fazem com que as pessoas anseiem por “horizontes infinitos”. Jesus sabia disso e, por isso, sempre e de novo apontava para o “reino de Deus” e para os imensos horizontes abertos pela graça.

A imagem do mar aberto também pode ser uma referência para o planejamento estratégico. Em geral, há uma tendência entre nós para muito planejamento e para pouco pensamento estratégico. O pensamento estratégico representa uma visão, um horizonte, um anseio. Sem isso, planejamentos falham, pois há muita tarefa e pouco sonho. Bons planejamentos precisam também alimentar pessoas com o anseio por horizontes abertos.

Imagens de barcos (ou navios) não estiveram ausentes das falas do Prof. Vítor. Em 1992, a revista Estudos Teológicos recolheu uma palestra que ele proferira na Faculdades EST, em 1991, por ocasião da celebração dos 70 anos de formação teológica na IECLB. Prof. Vítor falava ali dos riscos de “ancorar um navio no espaço”.****

Isto, no seu entender, representava um risco sério para a igreja, pois ansiar demais pelo horizonte pode levar ao descolamento da realidade, do “chão” da vida das comunidades e do seu imaginário teológico. O erro, a ser evitado como frisava o Prof. Vítor, era o de “(…) propor (…) uma linguagem sem raízes nos mitos, ainda que fragmentários, que existem e subsistem na vida dos povos onde o evangelho quer ser vivido e anunciado”.*****

Há, portanto, um profundo ensino a ser retido aqui, um tipo de pedagogia que ajuda a formular propostas em várias frentes. Trata-se de manter uma tensão entre o barco e o mar. Construir barcos é fundamental. Eles são o transporte necessário entre o aqui e o além, entre o agora e depois, entre hoje e o amanhã. Entretanto, sem anseio pela imensidão do mar, corremos o risco de passarmos a vida construindo barcos que jamais navegarão. O barco e o mar se completam. Precisamos tanto de um como do outro, pois, “navegar é preciso” (F. Pessoa).

Registramos nossa gratidão ao Prof. Vítor por haver compartilhado continuamente as imensidões do mar infinito que tão criteriosamente procurava interpretar, pois, como bem definiu Jesus, “(…) todo escriba versado no reino dos céus é semelhante a um pai de família que do seu depósito tira coisas velhas e coisa novas.” (Mt 13.52).

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* WESTHELLE, Vítor. On Advent, Cancer, and Christmas. Disponível em: . Acesso em: 31 mai. 2018.

** Prof. Vitor falou no “I Encuentro de Teólogas, Teólogos, Educadores e Educadoras Reflexión Teológica desde la sustentabilidad de las iglesias”, realizado em São Leopoldo nos dias 13 a 14 de novembro de 2014, sobre a relação entre a teologia de Lutero e a sustentabilidade. O texto do Prof. Vitor Westhelle será oportunamente publicado pelo InS.

*** Tradução: “Se você quer construir um barco, você não reúne pessoas para apanhar madeira e, então, lhes designa tarefas. Ao invés disso, você as ensina a ansiar pela imensidão infinita do mar”.  Endereço do site: http://www.vitorw.com/.

**** WESTHELLE, Vitor. Uma Fé em Busca de Linguagem. O Sedicioso Charme da Teologia na IECLB. Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 45, n. 01, p. 78, 1992.

***** WESTHELLE, 1992, p. 80.

Por: Equipe Operacional 

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