O ADVENTO DOS DIREITOS HUMANOS

O ADVENTO DOS DIREITOS HUMANOS
24 de December de 2017 zweiarts
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“A la huella, a la huella/José y María con un Dios escondido,/nadie sabía.”

Tradicionalmente, os protestantes reservaram o segundo domingo de advento para o dia da bíblia. Neste ano, 2017, este domingo é o dia 10 de dezembro, data reservada para o dia internacional dos direitos humanos. Uma coincidência! Um pequeno milagre.

Em nossa pequena capela, no bairro São Borja (São Leopoldo), recebemos, neste 10 de dezembro, o grupo coral Roda de Canto. Um culto de advento todo cantado! Que ideia maravilhosa! As músicas, as imagens e as muitas associações possibilitaram conjugar de forma singela e profunda a Palavra, o advento do Senhor e a memória dos direitos humanos.

Levados pela meditação musical, esta “missa de advento” conduziu-nos, pela belíssima canção de Felix Luna e Ariel Ramirez, La peregrinación, ao coração da pergunta pelos direitos humanos¹.  A canção ecoa o sentido do 25º artigo da Declaração dos Direitos Humanos: “A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. ”

E dizia a canção, poetizando o texto bíblico: um casal peregrina. Ela está grávida e o dia do nascimento se aproxima. Atravessam campos, noites, frio, fome e, na cidade, não há nenhum abrigo. Não há nenhuma solidariedade humana para o nascimento dessa criança. Enfim, uma tapera, uma pobre estrebaria abriga os peregrinos. O calor dos animais é a primeira solidariedade que a frágil criança experimenta ao chegar mundo.

A noite feliz do nascimento do menino-rei durou pouco. Os poderes deste mundo já tramavam contra a vida da criança. Advertidos, os Reis Magos não voltaram pelo mesmo caminho. Os pais da criança foram instados a sair daquela região, pois o rei Herodes, o Grande, temendo por seu poder, os buscava.

Assim, após a visita dos pastores e dos magos, a família precisou sair rapidamente. Eles fugiram. Tiveram de sair de sua terra e foram para terra estrangeira. A família tornou-se migrante, pois ficar significava morrer. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém, assim nos lembra em seu 9º artigo: “Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. ”
Felix Luna e Ariel Ramirez captaram o medo e a angústia deste momento na canção “La huida”: “¡Vamos! ¡Vamos! ¡Burrito apura! /Si no te apuras los van a pillar/Largo el camino, largo el salitral/Ya tocan a degolar/Ya está sangrando el puñal/Niño bonito, no llorís mi amor/Ya llegaremos a tierra mejor/Duérmete ya, no llorís,/Cuna en mis brazos te haré./Bombos legüeros en mi corazón.”

Enquanto fugiam, soldados levavam a cabo em Belém da Judéia a ordem macabra de Herodes: um infanticídio! Ele ordenara a matança das crianças de Belém e arredores que tivessem menos de dois anos² (Mt 2.16-18).  Hoje como ontem, a vida nasce frágil e ameaçada por todos os lados. O evento do natal (do nascimento) de Cristo é, então, uma memória de que o mundo deve ser um lugar hospitaleiro, seguro e acolhedor para as crianças. Como reza o 3º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

Vejam, lá estão as pegadas cansadas de tantos Josés e Marias. Eles seguem fugindo apressados, olhando todo o tempo para trás. Assustam-se a cada tanto, pois há muitos perigos por toda parte. Fogem José e Maria. Levam, na fuga, Deus escondido e ninguém sabia. Deus nasceu entre nós sem direitos mínimos. Naquela noite “feliz”, o rei-menino dependia daquele amor familiar em fuga para poder, então, anunciar o amor de Deus aos seres humanos. Esta esperança foi expressa na bela canção de Flavio Irala, um músico brasileiro, que compôs uma “Outra Canção de Natal”:

“A cada momento que passa, no passo do que há de vir,
Mais claro ainda fica o rumo que vamos seguir.
Uma estrela vai se acender para que a esperança
Não morra e faça nascer de novo a criança.
E em meio aos que eram famintos, muito pão vai sobejar.
As vinhas cederão seus frutos para nos alegrar.
E a terra será lugar prá trabalho e festanças,
E livres poderão crescer todas as crianças
O cativeiro ficará apenas na memória.
Do povo de boa vontade numa nova história.
Pois um dia uma estrela caiu no curral.
É Natal! É Natal!
É Natal! É Natal”


¹ – Vale registrar que a “Misa Criolla” e “Navidad nuestra” foram compostas na mesma época (nos anos 60). Estas obras concretizaram o desejo de Ariel Ramirez de homenagear duas monjas que o acolheram muito fraternalmente no tempo em que morou na Alemanha. Estas monjas contaram a Ramirez que a casa que avistavam da janela da cozinha do mosteiro em Würzburg, onde faziam as refeições fora, durante o período do nazismo, um tipo de campo de concentração. Elas contaram que, apesar do risco de prisão, levavam, às escondidas, alimento aos prisioneiros todas as noites. Ramirez decidiu então, ainda nos anos 50, pouco depois da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que devia compor uma obra religiosa para homenagear as irmãs. Assim descreveu Ramirez: “(…) sentí que tenía que escribir una obra, algo profundo, religioso, que honrara la vida, que involucrara a las personas más allá de sus creencias, de su raza, de su color u origen. Que se refiriera al hombre, a su dignidad, al valor, a la libertad, al respeto del hombre relacionado a Dios, como su Creador.”
² – Embora Herodes fosse cruel e tivesse mandado matar os próprios filhos, não há indícios históricos que corroborem esta mortandade de crianças. Todos, porém, concordam que ele, pelo perfil do seu governo, seria capaz de uma ação tão brutal como esta.

Por: Valério Guilherme Schaper

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